Crise faz pesquisa assumir perfil tático e de curto prazo

De “Valor”, 16/03/09
Ana Paula Paiva/Valor

Salama, do Kantar Group: no exterior, busca é por pesquisa “holística”, que ajude o cliente a vender mais e gastar menos

Em tempos de bonança, anunciantes e agências de publicidade contratam pesquisas de mercado para entender melhor o consumidor e se antecipar às suas necessidades, traçando tendências. Agora, em pleno olho do furacão, uma dúvida atormenta os departamentos de marketing e de planejamento: a pesquisa entra na coluna dos custos que devem ser cortados ou dos investimentos que precisam ser mantidos? Diminuir o orçamento se tornou imperativo em 2009 – mas, se o mercado não cresce e o único jeito de conquistar espaço é tirar cliente da concorrência, menosprezar informação pode ser uma decisão desastrosa.

A saída encontrada pelos anunciantes tem sido optar pela pesquisa tática, para “sentir o pulso” do consumidor no ponto-de-venda: qual a sua reação a merchandising, às promoções e quanto o preço influencia na decisão de compra. Esse tipo de pesquisa, segundo empresas do setor, chega a custar metade do preço de um estudo sobre tendências, muito mais complexo, que pode envolver levantamentos estatísticos e qualitativos.

“A pesquisa tática se destina a resolver problemas imediatos, algo que ganha muito mais força agora do que os grandes estudos de segmentação, considerados estratégicos para iniciativas de longo prazo”, diz Waldyr Pilli, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) e diretor da Larc Pesquisas de Marketing. Na Larc, diz ele, os anunciantes têm buscado indicadores de mudança de comportamento diante da crise e do medo que ela provoca.

O mercado de pesquisas no Brasil, que cresceu 15% em 2008, para R$ 1,207 bilhão, sentiu uma freada nos investimentos no último trimestre do ano. Mas, segundo Pilli, o primeiro trimestre de 2009 já demonstra uma retomada. “Os anunciantes que interromperam os projetos no fim do ano passado estão voltando a investir agora, preferencialmente em pesquisas táticas”, diz.

A Ipsos, líder em estudos customizados no país, tem sentido a ansiedade dos anunciantes no dia-a-dia. “Muitos querem testar promoções, saber se é melhor dar 10% de desconto ou adotar o ‘leve três, pague dois’, além de identificar até que ponto o consumidor suporta aumento de preços”, afirma Jorge Kodja, diretor de contas da divisão Ipsos Marketing. O executivo vê mais uma frente que ganha espaço no mercado de pesquisas: os estudos on-line, que custam entre 20% e 30% menos do que os levantamentos presenciais. “Trata-se de uma modalidade que vem crescendo todo mês”, diz Kodja.

O Datafolha, por sua vez, registrou um ótimo primeiro bimestre, com crescimento de 30% em comparação com o mesmo período de 2008. “Pesquisas que medem a retenção e o resultado do merchandising na TV têm sido muito procuradas por agências a pedido de clientes de diferentes áreas, especialmente da indústria alimentícia”, afirma Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. A boa demanda deve fazer com que a empresa passe a oferecer mais duas medições de merchandising ainda neste primeiro semestre: em cinemas e em pontos-de-venda.

Segundo Paulino, veículos de comunicação e a indústria farmacêutica também vêm reforçando investimentos em pesquisa. “Em tempos de crise, as empresas se interessam mais por pesquisas para tornar as estratégias e os investimentos mais precisos”, diz.

E essa tendência não se restringe ao mercado brasileiro. Em todo o mundo, os anunciantes estão à procura de estudos cada vez mais certeiros, que identifiquem com maior fidelidade o perfil do consumidor e quais as melhores mídias para atingi-lo. “Todos os clientes estão tentando fazer crescer suas receitas e cortar seus custos – e a pesquisa deve contribuir diretamente nessa tarefa”, afirmou ao Valor Eric Salama, principal executivo do Kantar Group, braço de consultoria e pesquisas do conglomerado de comunicação WPP.

Em outubro de 2008, o Kantar comprou a TNS e, no fim de fevereiro, promoveu a fusão da empresa com outra multinacional do grupo, a Research International, criando a maior fornecedora de pesquisas customizadas do mundo, a TNS International. Com a nova empresa, a receita do Kantar Group bateu os US$ 4,5 bilhões em 2008, o que representa cerca de 30% do faturamento do WPP. No Brasil, a TNS International afirma ocupar o segundo lugar entre os fornecedores de levantamentos ad hoc (sob encomenda), atrás apenas da Ipsos e à frente da GFK e do Ibope Inteligência.

Salama reconheceu a força dos concorrentes no mercado nacional, especialmente da líder Ipsos, mas acredita que é possível crescer mais aqui do que na China e no México este ano. “O Brasil é um dos nossos dez maiores mercados no mundo”, diz ele, que prevê em 2009 empate com a receita global do ano anterior. Segundo o executivo, que atende multinacionais como Unilever, Procter & Gamble, Coca-Cola e Pepsi, as pesquisas são mais necessárias para o mercado agora do que nunca. “Os clientes querem entender o quanto a mídia influencia, como as pessoas se relacionam com as marcas, como decidem as compras nos supermercados e lojas, ou seja, tudo que as ajude a se manter competitivas”.

Essa visão “holística” do cliente faria com que os anunciantes gastassem menos com mídia. Essa é a conclusão da World Federation of Advertisers (WFA), que realizou na semana passada, em São Paulo, a sua Conferência Global de Anunciantes, em parceria com a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). O diretor de comunicação de marketing da WFA, Robert Dreblow, destacou o projeto global conduzido pela entidade, o Blueprint, que propõe a revisão dos métodos de medição de audiência e pesquisa. “Queremos que o foco esteja sobre o consumidor, não sobre o produto ou a mídia”.

Se o comprador fosse encarado de maneira “holística”, diz Dreblow, o número de anúncios e o nível de frequência das campanhas seriam menores. Para a WFA, o anunciante hoje é incapaz de medir e seguir o comportamento multimídia do consumidor, porque as pesquisas não o enxergam dessa forma. Além disso, segundo a associação, o uso de novas tecnologias não está sendo eficaz para obter dados de forma rápida e barata.

A multinacional americana de cosméticos Avon concorda. “As pesquisas de mercado não estão respondendo às nossas necessidades”, diz Rafal Szysz, gerente regional de mídia da Avon para a Europa, o Oriente Médio e a África, que participou do evento da WFA. Segundo Szysz, muitos fornecedores primeiro criam os modelos de pesquisa, com base no que acham que os anunciantes precisam, e tentam lhes vender isso. “Antes de mais nada, as empresas de pesquisa deveriam ouvir o cliente e fazer estudos que sejam realmente sob medida”. Isso não significa, necessariamente, segundo o executivo, pesquisas mais baratas. “Se eu perceber o real valor daquele estudo para o meu negócio posso pagar mais por ele.”

Jorge Kodja, da Ipsos Marketing, acredita que muitos anunciantes encaram as pesquisas de mercado de maneira pouco objetiva. “Não são raros os casos em que um produto vai para o mercado sem ter passado por uma avaliação prévia com o consumidor”, diz Kodja. “Nesses casos, a empresa encomenda a pesquisa esperando que ela valide as suas expectativas com o produto”.