Educação

A nova classe média vai à escola

Da Revista Ensino Superior
Vinícius Gorgulho

Especialistas apostam na demanda por cursos mais baratos e de perfil profissionalizante para superar de vez a crise financeira internacional

Sinal de presença: um terço da classe C já chegou à universidade

A aposta na classe C como um público capaz de elevar o número de ingressantes na graduação não chega a ser uma novidade para os gestores do ensino superior. Mas, após um ano de crise e números estabilizados de crescimento, essa camada populacional volta a emergir como a grande promessa de novos tempos. Apoiados por recentes estatísticas, especialistas recomendam investir na demanda por cursos mais baratos e de perfil profissionalizante. O motivo é simples: a classe C é a nova classe média e tem espaço no orçamento para investir em educação superior.

Marlene Bregman, vice-presidente de Planejamento Estratégico da Leo Burnett Brasil, apresentou, durante o Fórum Nacional de Ensino Superior Particular Brasileiro (Fnesp), estudo sobre como pensa a população que vive com até US$ 2 por dia (veja matéria na página 37). A conclusão é que nunca foi tão claro que a classe C é um gigante que já acordou. “A classe C é metade do país e quase 80% dos brasileiros estão nas classes C, D e E. Não estamos falando da base da pirâmide, estamos falando do Brasil quase inteiro.”

Nos últimos quatro anos esse estrato social passou de 18% para 23% do público atendido pelas instituições de ensino superior. Na opinião do presidente da Hoper Consultoria, Ryon Braga, dois fatores foram determinantes para esse fenômeno. O principal foi a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) em 2004. Em paralelo, a competitividade provocada pela consolidação do mercado forçou uma redução do tíquete médio das mensalidades, de R$ 860 em 1996 para R$ 467 em 2009.

A perspectiva de crescimento vegetativo é que esse número dobre nos próximos cinco anos e chegue a 2015 como a maioria do público universitário, mas, com o mercado em consolidação, não é possível se limitar ao crescimento orgânico. A nova classe média é um filão relativamente pouco explorado pelas instituições de ensino superior. Estudos da Hoper Consultoria revelam que cerca de um terço da classe C já chegou à universidade. “O que significa que, hipoteticamente, temos outros dois terços a conquistar, já que as classes A e B estão estáveis e tendem a diminuir de acordo com as previsões demográficas”, diz Ryon Braga.

O consenso entre os especialistas é que para ter sucesso na inclusão desse contingente é obrigatório se preparar para mudar. Para Martin Escobari, um dos fundadores do site de compras Submarino e atual sócio da Advent International, diante de momentos de crise não há muito o que fazer além do que as instituições fizeram recentemente: cortar custos e focar em cobrança. Mas é vital se preparar para tornar o negócio sustentável, ou seja, rentável no longo prazo.

Antes de se adaptar ao novo público, o grande desafio das instituições privadas é a constituição de estratégias para lidar com o momento de consolidação pelo qual o mercado está passando e continuará a vivê-lo por mais alguns anos. Em resumo, isso significa investir na profissionalização da governança.

Escobari, lembra que para as instituições menores e sem diferencial será cada vez mais difícil concorrer com os grupos de economia de escala. A priori, segundo ele, deve-se investir na qualidade dos cursos, treinamento de profissionais, conteúdo diferenciado e uso da tecnologia. “As menores têm de pensar em estratégias de diferenciação e maneiras de ganhar em escala. Podem se juntar com outras instituições pequenas, investidores ou apostar no crescimento vegetativo, sem aquisições, investindo em marketing.”

Feita a lição de casa, as instituições precisam reformular seus modelos de negócio a partir da necessidade desses estratos sociais. Trata-se de se adaptar acadêmica e pedagogicamente para atender com sucesso ao perfil da nova classe média (a classe C) e à base da pirâmide social (D e E). “As instituições precisam se aproximar, conhecer, entender as necessidades e o potencial humano dessas esferas sociais. E a partir daí criar novos modelos de negócio”, diz Marlene Bregman.

Esse novo público tem demandas sociais e educacionais diferentes, e por isso a abordagem deve ser preparada sob medida. Talvez aqui resida o maior desafio: remodelar de forma planejada as estruturas financeira, acadêmica e pedagógica.

“Primeiro esse aluno chega com maiores deficiências educacionais inerentes ao corpo discente que vem do ensino público. Além disso, chega à sala de aula um novo contexto socio-e­conômico que precisa de professores que o entendam e saibam lidar com isso. O modelo educacional precisa contemplar essas idiossincrasias e, portanto, é preciso incremento acadêmico-pedagógico e conhecimento do perfil do aluno”, explica Ryon Braga.

Um fator primordial é oferecer uma mensalidade compatível com o que o aluno possa pagar. “Ainda é possível baixar um pouco mais os valores das mensalidades, ainda que estejamos próximos do limite”, afirma Braga. Na opinião do consultor, a solução é reduzir o custo dos cursos via reestruturação integrada do modelo financeiro e acadêmico.

Braga defende que, se isso for feito de forma inteligente – e heterodoxa -, deve inclusive melhorar a qualidade do ensino. “Graças à competitividade do mercado, é nisso que o Brasil vem se diferenciando mundialmente, ao criar maneiras de fazer com que o aluno aprenda mais custando menos. Mudanças curriculares, uso de atividades mediadas por tecnologias, incremento do resultado das atividades complementares e uma série de ações acadêmicas que tem proporcionado redução de custos”, afirma.

Para tanto, segundo Braga, evidentemente a instituição precisa mudar a estrutura da relação de ensino. Isso inclui abrir mão de mitos como o limite de alunos por sala. “Antes tínhamos 40 por sala. Com a classe C, será preciso compor salas com 80 ou mais alunos, como alguns grupos fazem.”

Mas isso é um mero tabu ou justamente o sinônimo de depreciação da qualidade do ensino? “É um tabu porque é feito de forma errada. Para um professor que dá uma aula expositiva como faz há dez anos, enche o quadro-negro ou passa uma apresentação para o aluno copiar e depois discute meia hora e vai explicando, não faz diferença se ele oferece isso para 50, 100 ou 120 alunos. É a mesma coisa”, diz Braga.

O importante, segundo ele, é oferecer essas aulas expositivas em massa aliadas a subsídios tecnológicos e pedagógicos para que o aluno tenha também um acompanhamento adequado e individualizado. Esses recursos podem residir em modelos híbridos de aulas presenciais com módulos não presenciais autoinstrucionais conduzidos sob orientação.

“Há um ganho na estrutura de custo e um incremento enorme no aprendizado do aluno. A mudança do modelo consiste em ser inteligente. Já que vai dar na mesma, nesta parte expositiva ponha 120 alunos em sala. Num outro momento, trabalhe com grupos de 12 a 20 alunos onde seja possível trabalhar a efetiva construção do conhecimento. Os mantenedores ficam brigando se vão pôr 50 ou 100, mas ninguém observa as alternativas para o oferecimento de um atendimento mais individualizado. Parece complexo, mas é simples e o que impede uma mudança é o corporativismo do professor e da estrutura conservadora da universidade brasileira”, diz.

Nem tudo, entretanto, está sob a governabilidade de um projeto proativo e moderno de reformulação financeiro-acadêmico-pedagógica. A inserção das classes C, D e E depende, conforme os especialistas, dos financiamentos públicos e modelos mistos de parceria público-privada.

Além disso, Braga frisa que dada a limitação de redução de preços e o atendimento ao déficit educacional, é difícil saber se as instituições investirão na base verdadeira da pirâmide: as classes D e E, que representam hoje, respectivamente, 4,6% e 1,3% dos alunos das universidades.

“Para a classe D estamos falando numa faculdade com preços de R$ 90 a R$ 100, no limite. E estamos longe de chegar a isso e talvez nunca cheguemos por meio do modelo de ensino presencial ou semipresencial. Algumas fazem isso no ensino a distância, mas com modelos que ainda não provaram a que vieram. Há na Índia experiências com a faixa de US$ 50 que envolvem, inclusive, ensino por correspondência. O caminho mais fácil para atender esse público é o do financiamento público por meio de modelos de parcerias público-privadas, para que haja garantias do recebimento posterior disso, senão a iniciativa privada não vai emprestar dinheiro nessas condições”, conclui.

Desigualdade racial

Da Agência Estado

A principal conclusão de um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgado no dia 03/12/09, é que a desigualdade racial é responsável por cerca de um terço da diferença de renda domiciliar per capita entre brancos e negros no país.

Segundo o documento, as regiões mais ricas do Brasil meridional apresentam maior porcentagem de pessoas brancas do que do Brasil setentrional. “Do Oiapque ao Chuí, a população embranquece e a renda aumenta”.

Entre 2004 e 2008, a diferença entre as rendas médias dos negros e dos brancos brasileiros, segundo o estudo, aumentou R$ 52,92, mas a renda média dos brancos aumentou 2,15 vezes no período, enquanto a dos negros aumentou apenas 1,99.

O Ipea alerta que juntas, a desigualdade entre regiões e a desigualdade racial respondem por algo entre um quarto e um quinto da desigualdade de renda domiciliar per capita de todo o país. Em 2008, esses dois índices respondiam por 22,3%, sendo 5,7% de desigualdade racial dentro das regiões e 16,6% de desigualdade regional.

O índice de analfabetismo entre jovens negros é duas vezes maior que entre brancos, segundo levantamento divulgado hoje pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Contudo, a distância entre os grupos encurtou nos últimos 10 anos: em 1998, o analfabetismo entre jovens negros era quase três vezes maior que entre os brancos.

No ensino médio, o número de jovens brancos que frequenta a escola é 44,5% maior em comparação ao de negros. Já no ensino superior, a frequência é cerca de três vezes maior entre os brancos. O Ipea destaca, no entanto, que houve significativa melhora no nível de adequação educacional entre os jovens negros nos últimos anos. Enquanto se observou entre os brancos certa estagnação, entre os negros a melhoria na frequência ao ensino médio é bastante significativa: em 10 anos, quase duplicou.

No que diz respeito à renda, a disparidade é alarmante. De 2004 a 2008, a diferença entre as rendas médias dos negros e dos brancos no Brasil aumentou R$ 52,92. O estudo também revela que a renda média dos brancos aumentou 2,15 vezes no período, enquanto a dos negros teve aumento de apenas 1,99 vez.

O levantamento do Ipea foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Consideram-se jovens aqueles entre 15 e 29 anos, uma população que soma hoje 49,7 milhões de pessoas, cerca de 26,2% da população brasileira.