Escola é determinante para o fim da homofobia, diz pesquisador
Do Priscilla Borges, iG Brasília, 26/05/2011
Sozinha, a escola não será capaz de combater o preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. Mas o ambiente escolar é o local mais promissor para por fim à homofobia. Essa é conclusão de um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS), em 150 municípios brasileiros em todas as regiões do País. Por isso, Gustavo Venturi, coordenador do estudo, defende que o debate sobre esse tipo de discriminação faça parte das aulas, inclusive na infância.
De acordo com os dados da pesquisa, que será transformada em livro este mês, enquanto metade dos brasileiros que nunca frequentou a escola assume comportamentos homofóbicos, apenas um em cada dez brasileiros que cursaram o ensino superior apresentam o mesmo comportamento. O estudo realizado entre 2008 e 2009 com 2.014 pessoas também avaliou as diferenças de preconceito entre as regiões, idade da população, renda, religião. Nenhuma das variáveis apresentou diferença tão drástica de comportamento, segundo Venturi.
Mais estudo, menos preconceito
Segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, a variável que mais determina o nível de preconceito das pessoas é a escolaridade. Há uma grande diferença de preconceito entre quem nunca foi à escola e quem concluiu o ensino superior .
Pesquisa Diversidade sexual e homofobia no Brasil, da Fundação Perseu Abramo
“Isso mostra como a escola faz diferença no combate à homofobia. Só a escolaridade maior não resolve o preconceito, mas influencia fortemente a formação dessas pessoas”, afirma. Para o pesquisador, além de ser um espaço para convivência com as diferenças, a escola pode promover o debate de forma educadora e transformar a percepção de preconceitos arraigados à população. O estudo revelou que o brasileiro ainda não é tolerante com as preferências sexuais de familiares, de colegas de trabalho ou de vizinhos: um quarto dos entrevistados admitiu ter preconceito e agir de forma homofóbica.
Para o pesquisador, que queria entender a cara da homofobia no País quando começou o estudo, as diferenças de preconceito de acordo com a idade e o sexo também são importantes. As mulheres são mais tolerantes que os homens em todas as idades. Mas o índice de homofobia entre os meninos adolescentes chamou a atenção de Venturi. Entre os rapazes com idade entre 16 e 17 anos, 47% dos entrevistados admitiram preconceito contra gays, lésbicas, travestis. “Esse é mais um sinal da importância da escola. Esse é um momento que o jovem é muito pressionado a fazer definições de identidade”, diz.
Homofobia entre os homens
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo constatou que os homens têm mais preconceito contra homossexuais do que as mulheres. Os adolescentes lideram a homofobia (autodeclarada) junto com os idosos.
Homofobia entre as mulheres
O preconceito contra homossexuais entre a população feminina é maior entre as idosas, segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo.
O estudo mostra que o comportamento homofóbico variou pouco entre as regiões (o maior ficou na região Nordeste, 28% da população, e o menor na Sudeste, 22%), de acordo com a renda (de 31% entre quem ganha até um salário mínimo e 20% entre quem ganha de cinco a dez salários mínimos, entre os mais ricos sobe para 23%) ou com o ambiente onde cresceu (índice de homofobia de 22% entre quem só viveu na cidade e de 38% entre quem cresceu no campo). Entre as religiões, 10% dos kardecistas declararam preconceito (o mais baixo) contra 31% dos evangélicos entrevistados (o mais alto).
Traumas
Gustavo lembra que a pesquisa também entrevistou 413 homossexuais ou bissexuais (com mais de 18 anos e também em todas as regiões brasileiras), e a escola foi apontada por eles como um dos locais onde mais sofreram discriminação. Um terço dos entrevistados já foi discriminado por familiares e 27% sofreram preconceito de colegas da escola. E, para 13% deles, a primeira discriminação ocorrida por causa de orientação sexual ocorreu na escola.
“Mudar a legislação é importante porque você diminui os espaços nos quais você pode declarar seus preconceitos. E, para serem reproduzidos, eles precisam ser ditos. A falta de legislação contra a homofobia gera tolerâncias com esse tipo de comportamento. Mas discutir o tema é muito importante também”, afirma Venturi.
Como o iG havia mostrado em dezembro do ano passado, o Ministério da Educação planejava adotar um kit contra a homofobia nas escolas públicas de ensino médio. O material, chamado de Escola sem Homofobia, foi produzido por organizações não-governamentais contratadas pelo MEC durante dois anos. O plano era distribuir o kit – composto manual, vídeos e outros materiais de apoio ao professor – a seis mil escolas ainda este ano.
Apresentados em algumas audiências no Congresso Nacional, os vídeos levantaram polêmica, especialmente entre os parlamentares de bancadas religiosas que, na tarde de quarta-feira, se reuniram com a presidenta Dilma Rousseff e conseguiram a suspensão da produção e distribuição do material pelo Ministério da Educação. Nesta quinta-feira, o ministro Fernando Haddad deve se reunir com a presidenta para ser comunicado oficialmente da decisão. No Ceará, onde cumpriu agenda nesta quarta-feira, Haddad disse que o assunto está encerrado, o governo chegou a um acordo e ele não vai mais falar sobre o tema.
De acordo com o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, a presidenta não teria gostado do tom das produções. O deputado carioca Antony Garotinho (PR-RJ) admitiu que, para convencer o governo a suspender a produção do material, a bancada evangélica da Câmara ameaçou não colaborar com os projetos do Executivo.
Repercussões
Além de o tema ter movimentado as redes sociais, com opiniões contrárias e a favor da decisão, a suspensão foi criticada por especialistas no assunto. Para eles, o veto de Dilma ao material representa um retrocesso para as discussões de igualdade de direitos humanos. Para Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, não há forma mais eficaz de promover a igualdade de direitos do que introduzir na escola a sensibilização para o tema de forma pedagógica.
“Há uma pressão indevida e desnecessária de grupos religiosos para isso. Não havia nada que ameaçasse a religião ou a integridade de crenças no material”, garante. Débora lembra ainda que as crianças e os adolescentes são mais abertos à discussão sobre promoção de cidadania e discriminação e, por isso, a escola tem de assumir o papel de conversar sobre o tema. Angela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), teme mais atrasos na discussão sobre preconceito dentro da escola.
“É responsabilidade da área educacional discutir esse tema. Há muitas coisas que podem melhorar no material, mas ele não é de má qualidade. O Manual das Coisas Importantes, que faz parte do kit, por exemplo, é muito bonito e bem feito”, afirma. Angela espera que a presidenta volte atrás em sua decisão. “O material é necessário para os professores qualificarem a discussão e terem apoio, mas a falta dele não pode justificar a omissão de trabalhar o tema na escola”, ressalta.
Maria Helena Franco, coordenadora de criação dos vídeos que fazem parte do kit Educação sem Homofobia, produzidos pela Ecos – Comunicação em Sexualidade, lamenta a decisão da presidenta. Ela afirma que há muitas pessoas criticando o material sem conhecer seu conteúdo. “O foco desse material é levar para as escolas de ensino médio e para educadores e educadoras uma ajuda para erradicar a homofobia. É um apoio que faz falta para eles”, diz.